domingo, 12 de fevereiro de 2012

Obrigado



- Quem sou eu?
- Agora?
Sou um mendigo, estou largado na vida, não sei quantos anos tenho. Não falo com as pessoas, não gosto delas, são muito perigosas... Dão-me gorjetas, comida, mas são perigosas sim... Há muito tempo não tomo banho. Gosto do meu cheiro é o meu perfume pessoal. Moro na rua e cato nos lixos coisas interessantes. Não tenho ninguém. Não tenho medo de nada. Não sei de nada. Nunca vão saber o que eu sei. Ando a pé... Muito. Nem me lembro de mais nada quando peguei um transporte, acho que nunca aconteceu isso. Conheço tudo aqui, mas não sei o nome desta cidade. Nem quero saber. Há muito parei de prestar a atenção às coisas desse mundo... Muitos cães me perseguem, mas eu tenho este pedaço de pau para me defender. Aqui ó... Não tenho medo de nada, pois tudo já é um medo só!...
Ahhh!! Já está tudo claro. Tenho que me acordar, as pessoas já passam para o trabalho e eu aqui, estou estendido numa calçada de uma grande avenida, uma garrafa de bebida álcool também esparramada...

-         Acorda! Sai daí, estás atrapalhando a passagem!!!...   

São sete horas da manhã estou com fome... Ai, minha cabeça, o que aconteceu ontem? Não, não me lembro de nada... Ah, esses guardas chatos! Cadê o meu dinheiro que ganhei ontem? Bebi ahhh!... Não acredito, bebi tudo! Droga! Tenho que pedir a esse povo nojento, cruel... A bacia,... Vou colocar aqui e vou ficar neste cantinho aqui... Espere, mas antes vou esconder essa garrafa pra mais tarde... É isso, tenho que pedir para a comida e a bebida também He, He, He...

-         Uma irmola por amor de Deus...

Todo dia é assim. É difícil... As pessoas dão quase nada de esmolas, nesses dias quentes principalmente... Ai a minha cabeça dói e meu estômago ronca...

-          Uma irmola por amor de Deus...

Só sei dizer isso, mesmo sem a consciência do que penso agora, sei que é a frase que eu mais falei nesta vida toda e ganho tão pouco por isso, quem gosta realmente de Deus faz. Dá a tal “irmola.” Mas, eu não sei fazer nada. Não falo com ninguém, falar o que? Não tem nada pra falar, nunca tive escola... Falar pra que?

-         Uma irmola por amor de Deus...

Uma senhora me dá um dinheiro em papel, eu olho e não sei quanto vale e coloco na sacola para olhar depois, sei que é dinheiro e tem algum valor... Ah, depois quero falar um pouco mais desta sacola, agora quero pedir mais um pouco, um pouco mais de dinheiro...

-         Uma irmola por amor de Deus...

-         Bom dia. Tome isto aqui é para o Senhor.

Oba, um pão fresquinho! Esse acertou em cheio, bem na hora de um ronco do meu estômago. Pronto, vamos parar de reclamação... Humm tá quentinho... E agora as pessoas estão colocando moedas na minha bacia, enquanto como, que bom...

-         Uma irmola por amor de Deus...

Outro pão, uns biscoitos, oba! E mais, e mais moedas... Dessa vez não vou gastar tudo, vou economizar pra não ficar sem nada de novo. Sempre ter um pouquinho... Não sei como agradecer a essas pessoas... Elas são boas, mas não querem nada além desse pequeno gesto. É isso, seguem suas vidas cada um a seu modo. Nunca me disseram obrigado. Porque deveriam dizer, ora. Eu que deveria... E por que eu não consigo dizer obrigado para essas pessoas? Não, não preciso, eu sempre fui assim... Isso é para quem é letrado. Aquele senhor deu bom dia e me deu um pão... Digno de um obrigado... E um bom dia também... É eu não aprendi a dizer obrigado ainda, mas já agradeço.

-         Uma irmola por amor de Deus...

Um rapaz se aproxima abrindo a carteira e tira uma nota e enquanto isso cai um papel e ele não percebe, a principio pensei que ele havia notado. Ele coloca o dinheiro na bacia e sai. Eu olho o papel, vou até ele e pego, está dobrado. Não sei ler, mas o que diz aqui? Será que é importante? Está escrito assim: “Apresentar-se às 09h00min no escritório na Av. Central, 1114/ sala 1605, admissão imediata”, mesmo sem saber o significado daquelas escritas, tenho um impulso, recolho rapidamente o dinheiro da bacia e coloco tudo dentro da sacola e vou atrás dele para entregar o papel. Vou mais rápido e tento chamá-lo:

-         Ei! 

Ele ouve, olha para trás e eu mostro o papel e ele vira-se assustado e rapidamente e acelera o passo fugindo. Eu paro. Naquele momento sinto todo o repúdio das pessoas à minha volta. Todas pensam que eu estava fazendo algo mal. Tentando roubar ou algo parecido. Elas são loucas! Imagens do meu sentimento... E eu mereço isso mesmo?... Fico quieto e volto para o meu lugar, guardo o papel na minha sacola, coloco a bacia no mesmo local e me sento...

-         Uma irmola por amor de Deus...

Vou revirar a minha sacola para saber quanto eu tenho. Esta sacola é o meu único tesouro, nela é guardado um pão, uns biscoitos, duas revistas, um lençol rasgado, uma caneca de plástico, um prato, uma colher torta, uma faca quebrada, uma garrafa para colocar a bebida. É minha companheira. Nela também guardo o meu dinheiro...  Não sei contar, mas aqui eu vejo quatro notas de um, seis moedas de 0,50, onze moedas de 0,10, oito moedas de 0,05 e muitas de 0,25 que não recebi hoje ainda. Quando eu vou comprar algo eu entrego tudo ao dono da venda e o que sobra ele me devolve junto com a mercadoria. Acho que já posso parar de pedir, talvez esse dinheiro dê para eu passar este dia...

-         Uma irmola por amor de Deus...

Algumas pessoas colocam moedas na bacia. De repente vejo o rapaz do papel voltando, não sei se falo pra ele, ele está aflito olhando o chão, procurando algo, deve ser o papel que ele procura. Será que ele não vai fugir de novo? Só pode ser esse papel. Procuro o papel rapidamente dentro da sacola e chamo-o mostrando...

-         Aqui!

Ele olha pra mim meio desconfiado, vê o papel e se aproxima aliviado.

-         Ah, graças a Deus você guardou!... Desculpe-me naquele momento em que você veio atrás de mim eu pensei outra coisa, nem imaginei que seria isso. Muito Obrigado!

Ele me agradeceu! Eu ouvi um obrigado... Meu primeiro obrigado. Acho que nunca recebi um obrigado. Ele disse: Muito obrigado, o meu peito é invadido por uma sensação gostosa, um estado de graça, parece milagre. Estou sorrindo feliz cabisbaixo, pra dentro. O rapaz, que ainda está ali, sente isso e me dá mais uma nota de 50,00, agradecendo mais uma vez e dizendo:

-         Puxa se não fosse você eu teria entrado em um grande problema. Muito obrigado mesmo! Você fica sempre aqui?

-         Não.

-         E fica aonde?

-         Sou viajante.

-         Desculpe-me, é que agora não posso te dar mais atenção, pois tenho que me apresentar no emprego. É às 09h00min, estamos quase na hora. A partir de hoje vou passar por aqui para ir ao trabalho e se você estiver precisando de ajuda dentro do meu alcance, pode contar comigo, tá bom?

-         Tá.

-         Sempre que eu passar por aqui, mesmo que você não esteja vou me lembrar deste momento, valeu! Tchau.

-         ...

Observo aquele rapaz feliz, que não quis nem me dizer o nome. Não precisa nome, o importante é o que a gente sente. Agora sinto o meu peito cheio de alegria. Sou alguém, fiz alguma coisa neste mundo sofredor de meu Deus!... Olho pra ele com um sorriso sincero. Ele vai saindo e fala:

-         Até

Continuo sorrindo, mostrando a minha boca banguela, sem saber o que falar emocionado. Dou só com a mão. Olho o dinheiro que ele me deu, é dinheiro isso? Ele sai. Um impulso me faz chamá-lo:

-         Ei!

Ele se volta e eu digo:

-         Obrigado.

-         Não há de que. Eu é que agradeço. Muito obrigado.

Ele se vai feliz. E eu fico aqui também com a minha felicidade, querendo exercitar cada vez mais o meu agradecimento pela vida. Que maravilha, acabo de descobrir como é bom ser importante para alguém. Aqui neste mundo. Agora eu sou alguém, sou útil, coloquei a minha pedrinha na estrada... Quero agradecer mais, muito mais... A felicidade do mundo depende das boas ações, e eu quero aprender a fazer isso com o coração, igual como eu senti agora com este rapaz, e por menor que seja ela, tem o seu valor.

-         Uma irmola por amor de Deus...

Agora caem notas e moedas aos montes em minha bacia e eu sempre dizendo:

-         Obrigado Senhor, Obrigado Senhora... Obrigado senhor,... Obrigado senhora,... (e vai passando tempo e anoitece e ele se prepara para dormir, pega o dinheiro e guarda na mochila coloca-a como travesseiro, cobre-se com um cobertor).

Sempre me lembrando daquele rapaz feliz, eu vou ficando também por aqui no meu lugar com o meu serviço... Será que deu certo? Espero que sim.  Assim, eu sou rico, tenho tudo que eu quiser, pois Deus está em tudo e me ensina em todo o tempo, vou rezar...

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, amém.
Obrigado, obrigado, obrigado, obrigado, obrigado, obrigado, obrigado, obrigado, obrigado... Agradeço sempre internamente e quando é necessário, agradeço também pra fora.
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